sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Uma história para o Natal


Coríntia é uma menina que vende tecidos muito coloridos no bazar, cada vez que os sacode deixa cair no chão, histórias com muitas cores.


A manhã é de Sol quente.
Aproximou-se da menina um homem alto - porque todos os homens são altos para a menina que ainda é pequena - aproximou-se e pisou num bocado de tecido encarnado. A menina puxou o tecido e pediu que o homem tirasse os pés de cima das Cerejas, mas ele só ali via um tecido encarnado.

- Quero comprar este tecido - apontando para o tecido encarnado -.

- O das Cerejas? Pergunta a menina.

- Sim o vermelho.

- Não é vermelho, é mais forte, vermelho três vezes forma-se em encarnado e se ficarmos a conversar um pouco mais de certeza ficará pálido vermelho porque o sol alimenta-se das cores dos meus tecidos.

- É por isso que os abanas?

- É por isso e porque assim ao longe quem passa os vê.

- Quero então um metro de Cerejas.

- Porque não leva também um metro de Mangas?

- Não, para as mangas já me chega este metro.

- Não digo de vermelho, digo um pouco deste que é quase vermelho mas ainda é laranja de Manga.

- Menina! Vamos lá a perceber, afinal o que é que eu levo?

- Não sei, leva o que quiser, mas se quiser a minha opinião, fazia as mangas a Mangas e o corpo a Cerejas.

- Então dê-me lá um quilo de cada.

E assim a menina vende os seus tecidos e convence todos os compradores a sonhar.

Inez Andrade Paes

sábado, 15 de dezembro de 2012

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Santa Luzia na Catedral de Uppsala na Suécia

terça-feira, 11 de dezembro de 2012




quando a árvore se levanta e se espreguiça

dá banho à lagartixa
que atenta espera
cada gota que cai dela


Inez Andrade Paes

sexta-feira, 30 de novembro de 2012



Colaboração fotográfica no livro Maravilhar-se da Escritora, Rachel Carson 
Edição da Campo Aberto e da Editora Sempre-em-Pé
Inez Andrade Paes

sábado, 24 de novembro de 2012


 


frágil encanto

limita a realidade inexorável da tarde
concentra o pormenor
da luz aberta
até à folha

quase morta

Inez Andrade Paes

sábado, 3 de novembro de 2012

Poema



dói-me a marca do golpe
que o vento deu ao ramo
que me bateu

foi rabanada bárbara
sem arma   sem cordel ou chicote
de mão tapada

foi vento forte
em pausa breve
de manhã
quando a luz ainda acorda

foi vento agreste
levado e empurrado
pelo Deus zangado
insomne pelas iras da noite

fui eu
que a levei

marca-me a ira
sem a culpa que reclamo
seja imputada
na altura em que o vento
ainda vinha ao longe
e bateu no ramo

saber que o ramo
se deixou pousado
sem levantar as folhas
para que uma delas me avisasse

penso agora
porque será que o vento
não nos abraçou simplesmente
e se deixou desfazer
com a ternura da árvore
e deitou a cabeça no meu regaço?

lentamente cicatriza a ira
a culpa?

ninguém a tem
quando o ciúme impera ainda
imune de qualquer nome

Inez Andrade Paes



 

      
          ... transparece de ti Lua, um homem que leva um fardo...


sábado, 27 de outubro de 2012

sábado, 20 de outubro de 2012

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sem imagem


descem mensageiros
quando me paro no pensamento

há luz no chão
quando os meus olhos lobrigam
alguma migalha
pousada entre os meus dedos do pé

logo ao lado a solidão de um insecto
que carrega a outra migalha

são cargas pesadas
a minha
e a outra

olho para o céu
e vejo clara a manhã
mas tenho uma pena imensa
quando olho para o lado
e vejo a fraca malícia de tentação vã

vem ao meu encontro e descansa essa alma cansada
não te esqueças que ontem estava escuro
hoje a manhã é límpida e a migalha está carregada

Inez Andrade Paes

domingo, 7 de outubro de 2012

Ó da Régua


de musica se envolvia
brilhava com os instrumentos
bandas grandes
em Concertos domingueiros

um Coreto
um Coreto todo em ferro
de varandins trabalhados
agora enferrujados
porque de abandono se apresenta
este espaço altaneiro

abandonado
a voz emudecida que um dia foi ouvida

através das crianças enroladas nos ferros
em brincadeiras e danças
nas horas de maior silêncio
quando as mães descansavam sentadas a olhar para os filhos
pensando neles maestros ou músicos ou engenheiros

(e quem preservaria o Coreto?)

que ali as unia nas tardes quentes
onde os músicos afinavam sons agudos    sons graves
ajudados ali perto pelos melros

hoje
resta o coitado
do Coreto
para ser olhado
desprezado
enferrujado
à espera que alguém venha
lhe dê um banho de areia
enquanto a ferrugem
não lhe leve toda a liga

Ó da Régua
que é da música?


Inez Andrade Paes

terça-feira, 2 de outubro de 2012

sábado, 29 de setembro de 2012

Sem imagem


O arrastar daquela corrente, lembra-me o de outras correntes de prisioneiros que a Pide tinha em Pemba – Moçambique, nos anos sessenta.
Ficava a prisão mesmo ao fundo da rua onde morava.
Homens subiam a estrada com carga nos ombros e nos tornozelos, estes, já com anteriores cicatrizes e grilhetas que tinham cabido noutros tornozelos. Grilhetas grossas, escuras com marcas de outras macerações de sangue, pele e carne humana.
.
Há homens que condenam assim homens.
.
Esta corrente que hoje oiço é a do cão do vizinho, não é ao fundo da rua, é mesmo ao lado. Terá o animal talvez um ano e pouco mais, foi condenado assim desde pequenino.
A primeira vez que o vi, já trazia uma coleira que lhe apertava o respirar e esganava o ladrar, mas na inocência brincava e a felicidade deixava-o ser assim, não tinha escolha.
Foi-se apercebendo o animal, da existência de homens e outros animais, que ele pouco vê, mas ouve, porque das três paredes que o cercam feliz ele é, por não ter uma quarta que o aprisione como aos prisioneiros.
O seu horizonte é limitado, mas ainda vê alguns pássaros e um gato que ele deixa passar mesmo ao largo, porque é o amigo que se aproxima mais e porque a corrente não o deixa ir mais longe.

Conseguiu soltar-se três vezes e para nossa felicidade, dele e minha, os nossos olhares encontraram-se, eu do lado de cá do muro e ele do lado de lá. Tinha sede e sabia que a água vinha de uma mangueira que tentava desesperadamente fazer com que vertesse. Assim, em repuxo e com a mangueira do nosso lado fiz refrescar o casaco de peles do animal, nos 38 graus desse dia de Verão.
Feliz esteve.
Mas por ter fugido da prisão, a pena aplicada é agora uma corrente nova, três vezes mais grossa do que a anterior.

Oiço o arrastar pesado.

Uiva e chora em constante desespero para ele e para nós, que já tentámos fazer perceber aos donos, da punição que estão a dar ao animal.

Nasceu este animal e tantos outros que estão nas mesmas circunstâncias ou piores, para quê? Para se saber que ali existe um cão?

Com o 25 de Abril, os homens das grilhetas foram finalmente libertados.
Quando será então o 25 de Abril para os animais em Portugal?

Inez Andrade Paes

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

ESPECTRO



estás
por trás
ao pé
quase a tocar
a uma



rosa


Inez Andrade Paes

segunda-feira, 3 de setembro de 2012


as vacas gritam

com os ubres cheios de leite
ninguém lhes liga
ninguém lhes liga

chamam com mugidos ritmados
ninguém as acode
as acode e limpa

daquele leite que as obriga
para o comercio constante

ninguém as limpa
ninguém as acode
tudo as obriga

são homens de vara que nunca pariram
são homens que tiram sua simples vida

apenas querem um pasto verdejante

ninguém as acode tudo as obriga
ao curral fechado
sem luz sem prado verde
e o leite como elas empacotado
e elas estampadas com sorriso lindo
ao sonho dos homens que são da cidade

vou viver no campo
comprar uma vaca
correr com ela entre flores diversas
e dormir por cima do curral asseado
com o respirar a embalar o sono
o bafo quente a aquecer-me a cama

  Inez Andrade Paes

domingo, 19 de agosto de 2012

Estrelas



só duas
arrastam a superfície prateada
as outras são inúmeras quase invisíveis
mas são
outras     muitas

só duas escorrem espuma
enrolam-se como uma
e espalham-se na areia
dura

macera este mar     a areia e a bruma
que encerra noites longas


Inez Andrade Paes

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

terça-feira, 31 de julho de 2012


...

é Quirimbas é Ibo
que de sua voz me acalma
há dias em que perdida
me sinto
em casa aninhada
é Pemba       é o calor lambido
entre minhas lágrimas

e teu areal plácido


...o pequeno avião sobrevoou as línguas azuis entre claras de marfim, vi assim ainda menina. Reconheço hoje a razão dessa viagem ao Ibo..

Para que estas tonalidades se preservem, o homem deve ficar distante em volume, em tempo. Deve o homem olhar e não sobrepor o pensamento de usufruto em vantagem.
Magros olhos vêem o futuro.
A dor é imensa na retaguarda, os que amam sem proveito.
Meu sonho ainda é jovem, apesar do luto anunciado.
Preciso da urgência de saber quem liderou e quem liderará a abordagem de uma escalada para as cinzentas línguas de água.
Minto se disser que o sofrimento será de todos, porque dos que assim pensaram nas cores, não viram a transparência exacta a que se destina aquele meio e a Vida imensa que lhes foi dada.
Aguardo que alguém de bom nome se junte a mim nas palavras e busque esta razão de Vida.
De longe nunca me ausentei, preservo comigo este testemunho.
Hoje as línguas ainda são claras.

Inez Andrade Paes

sexta-feira, 20 de julho de 2012




SOFÁ CAMA NÃO!


Prefiro o chão.
Dos vários sofás que se abrem em cama, não sei como os constroem, mas os corpos encontram-se no meio - se de dois corpos falamos - enterrados na fundura do meio do colchão, cara contra cara e a pensar que o CO2 do outro nos vai dificultar a oxigenação do cérebro, ou nariz achatado nas costas do outro e de boca aberta.
Se de um corpo se trata - falo do meu - afundo se virada para a direita, narina direita completamente fechada, olho fechado sem aquela ligeireza de pálpebra semicerrada da noite, e o fígado sente-se.
Viro para a esquerda afundo também, desta vez a narina esquerda, a pulsação ouve-se de tal maneira que parece que vou explodir.
De barriga para cima, não respiro pela compressão dos pulmões e os ombros quase se tocam na frente do peito.
De barriga para baixo, nem pensar, é suicídio voluntário.
Para me levantar da fundura esponjosa, tomo balanço com força para me desenterrar e respiro fundo e sofregamente como se me estivesse quase a afogar.
Uma luta.

Sofás cama não. Prefiro o chão.
Mesmo que o rendado da esteira me fique marcado no corpo e a perna coxeie o dia todo de dor ciática e me vanglorie de que passo a noite toda a fazer yoga.

Sofá?
Só de três lugares e uma mantinha por cima, se a noite for fria.


Inez Andrade Paes

domingo, 8 de julho de 2012

..assim pelos mais fracos



a repreensão amarra os braços e as pernas
a tristeza cai na consciência e submete o corpo à ordem
Inez Andrade Paes




quarta-feira, 20 de junho de 2012

Verdes Prados




a natureza corta o sopro
na imensidão do pequeno ser
entre cores
entre amor

sacia bestas e protege-as
porque de castigo o são
libertas
entre espinhos e flores
feridas a descoberto

envolve de paz
a crisálida
que aberta
liberta
mais um belo ser
traz entre as asas um pó que de ouro é
no mais ténue tom

liberto

entre puro alvo
e sombra profunda

Inez Andrade Paes

sábado, 9 de junho de 2012


    Flores de Trevo dormem com o dia nublado

sábado, 2 de junho de 2012

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Não sei de quem é a imagem, não gostaria de a pôr aqui.   Foi através dela, que escrevi o poema.



em penitência a um chão de cascalho quente
a criança desespera pela morte anunciada
a poucos passos        a Mãe
que não o pôde ter em colo       sempre magro

porque de tudo o que a manhã breve acende

as mãos dos outros homens
servem à guerra
servem ao dinheiro
servem à indiferença

o sofrimento é só deste menino

a Mãe reparte-se
e o homem ao fundo vê tudo

Inez Andrade Paes

                                                                                                                                                            

sábado, 26 de maio de 2012


                           "em memória de tudo em que estás vivo"


não vi o velho homem que ali costuma estar a vender velas, dois pedaços de cera restavam ainda no fundo dos candeeiros, um de cada lado, e a abelha que ali sempre está quando vos visito


acendi os dois bocados de cera, a abelha pousou na pedra

uma luz para ti Mãe, outra luz para ti Pai


luzes trémulas ainda quando parti

limpei as folhas secas e as rosas soltas de pétalas

a abelha fez-me correr e dar uma gargalhada, veio atrás de mim e das rosas que levava


agora já não me custa ali ir, mesmo que daquele lugar nada seja vosso ser

a abelha guarda-vos

Inez Andrade Paes



segunda-feira, 14 de maio de 2012




ainda na enseada menos brava

as escarpas
os gritos são teus e das aves de asas largas
a liberdade cresce como o vento que te sopra e larga
são ângulos de preparação e partida
acesas as luzes das estrelas
dorme agora repousa ainda
porque das tuas mãos a música

Inez Andrade Paes


terça-feira, 8 de maio de 2012

Florestas Moçambicanas

PLANTAI ÁRVORES

Plantai árvores, camaradas
Sobre o solo nacional,
Fazei mais famoso ainda
Este lindo Moçambique
País que eu quisera ver
Fecundo, infinito
Grande, como foi outrora
Como pode ser ainda

Plantai árvores, camaradas
Enraizai-as no chão
O vosso esforço isolado
De pouco pode valer
Mas os poucos fazem muito
E amar a Pátria é dever

Não é patriota apenas
Quem, com armas na mão
Contra os agressores estranhos
A Pátria defende
NÃO!
Também é bom Revolucionário
O honrado trabalhador
Que o solo Pátrio amado
Fecunda com o seu suor

É patriota igualmente
Quem a terra fertiliza
Quem as plantas prende à terra
Quem à terra as enraíza.

A árvore amiga e boa
É do homem companheira
Dá-lhe sombra que refresca
A lenha, o fruto, a madeira.

Manuel Gondola in "Poesia de combate" LITERATURA NOVA
Publicações Nova Aurora - Lisboa,1974 pag,32

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A luta económica pelo PROGRESSO



‘If you destroy the forest, you destroy us too.’

- Blade Awá -




http://www.survivalinternational.org/awa

quarta-feira, 25 de abril de 2012

quinta-feira, 19 de abril de 2012

a ferrugem quase liberta
das tuas pétalas
provoca o olhar
para o velho rosa
aberto ainda agora

apontas a fina penugem
que na capa de cada face
te aveluda
e a deixas tombada
como folha caduca

Inez Andrade Paes

sexta-feira, 6 de abril de 2012

sábado, 31 de março de 2012



Em memória da minha Bisavó Lavínia que tocava Cavalleria Rusticana de Mascagni


FLORES ABERTAS

lembras-te da tarde
em que estavas adormecido junto ao cedro
com pedras castanhas a cobrir-te os pés
essas flores amarelas que saíam aqui e ali
eram as alegrias que teus dedos faziam mexer
por baixo das agonias
que teu coração não quis transparecer

diz-me tens saudades daquele lugar?
onde as árvores cantam
e os pássaros param para ouvir
tudo ali é diferente porque de amor se quis
que naquele cedro perto da raiz nascessem pedras castanhas
todas brilhantes como se pintadas de verniz

ali jazem a tua e a minha mão
em forma de raiz para que delas nasça outro cedro

com flores amarelas abertas

é para ti

Inez Andrade Paes

quarta-feira, 21 de março de 2012

poemas
como águas que passam
trazem transparência ou seguem baças
se as barramos
tocam-nos como facas
se as empurramos deitam-se connosco a ver

para onde vamos?
são palavras
merecemos estas
todas
ou então não
as juntamos


Inez Andrade Paes

sexta-feira, 16 de março de 2012

domingo, 11 de março de 2012

À Fernanda Angius

Um dia mais que lindo em que o Verão se antecipa à Primavera e a acorda.
Fica ela triste a correr atrás dele sem conseguir apanhá-lo, não consegue mais do que as flores que ela plantou antes de ele chegar. O Verão atira-as para trás com a brisa da corrida a fugir dela. A Primavera fica com o cabelo cheio de pétalas brancas e lilases e um rosa pálido aqui e ali.
Escapa-se ele no entardecer e passa pelo Inverno.
A rir fica ela, quando se olha na água do lago que ali se guarda entre as árvores e se vê decorada de grinaldas.
Recolhe-se no Bosque e adormece.

Acordará talvez no dia 21 de Março para chegar toda iluminada e de transparência só dela, se o Inverno não ficar amuado de ciúme.

Inez Andrade Paes

terça-feira, 6 de março de 2012


quando vejo uma árvore bébé
quero levá-la comigo do seu abandono

replantá-la
num abrigo
para ficar fora de perigo
crescer até ao amanhecer
com o segrêdo
que a noite dá
do limite até ao olhar

Inez Andrade Paes

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Um da família dos Turdus turdus


Hoje o dia é de Sol e o Melro - Turdus merula - o galã, já no píncaro da árvore desafia os outros machos para a chegada da Primavera.
É belo o negro deste pássaro, modificado em tons de prata quando o sol bate no corpo conforme a força do som que lhe sai da voz. Estica-se e dobra-se ficando em posição inicial de Tai chi chuan e em si como se em voz média se ausentasse da ideia de que ele é sim o Turdus deste espaço.

Reparem neles - pássaros - antes da chegada da Primavera.

Inez Andrade Paes

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Para a Serenidade VII

Poema


gemes torces-te
no frémito insaciável
da comunidade que te consola

leva o lenço ao nariz que pinga
sangue que escorre
pelo punho cerrado

carrasco de ti levanta
e entrega a ira ao homem
que tens ao lado

daqui nada levarás
senão luz
que do céu chega dos nossos
e mantém esta chama
que me acalma

Inez Andrade Paes

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Um de Fevereiro

........... .......... ... ........Tirada em Pemba em 2003, cidade onde nascemos ..................


- Hoje tive a notícia da morte de uma amiga -


a Águia engole o vento
de asas abertas
leva-te
para o altar daquela núvem

Berta
serena e bela Berta

senta-me ao pé de ti
quero pedir-te que leves
contigo Alfazema
desta que apanho no jardim

é Fevereiro
o frio aqui é de vidro
de transparência única
do lado de lá tu

como estivemos em Nampula


Inez Andrade Paes

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Lascia ch'io pianga

é essa cinza branca
que absorve o delinear da tua face   

Inez Andrade Paes

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Bichos e Homens

Imagem da Encicolpédia Medieval Liber Floridus de Lambert of Saint-Omer


Um cão, um gato e um macaco.
O cão vivia em Portugal, o gato na Pérsia e o macaco na Indonésia.

Encontraram-se os três como amigos numa manifestação contra o abate dos animais para lhes tirar a pele. Os três mascarados de homem.


Ele cão, um homem alto de tez morena e de fala grossa.

Ele gato, um homem ainda mais alto e esguio e de rosto quase pálido e enfraquecida vista, por isso de óculos, ovais, mostrando o brilho do metal quando o sol batia.


Ora o macaco, esse, um senhor gordo cheio de grandes avarias, saltos, arrebiques e de apito pendurado ao peito, se fosse preciso faria barulho ao mais pequeno deslize dos chamados democratas que tinham ganho as eleições naquele país da Europa. Estes tinham prometido mundos e fundos aos animais de pelo e até aos de pena, que estavam na lista dos próximos a ser contemplados com menor mortandade. Uma vez por mês falar-se-ia em abate.


Eram tantos os animais na praça.
Eram tantos animais na praça onde a manifestação começara, vestidos de homens para não serem vistos como de pelo ou de pena.

- Entra o político que iria dar voto ou veto à limpeza da pena ou do pêlo. -


O cão, o gato e o macaco estavam ali de pé ao pé da vaca. Senhora gorda e de chapéu de lado para tapar a peruca.


Todos os quatro atentos aos urros e berros do político sem nada a dizer a não ser:

- Estamos a fazer um grande esforço
- Estamos a preparar para levar ao parlamento
- Estamos a ver se
- Estamos

E estavam. Verdade que estavam todos, mas era muito gordos.

Entra na praça um tigre vestido de Monge Tibetano, exilado em Portugal por causa da anexação do Tibete pela China. A luz alaranjada das suas vestes virou os olhares para si.
Compreendia e via, os animais vestidos de homens que ali estavam e até lhes sorriu com largo abrir de boca em que os pequenos dentes eram pálidas pétalas de pequenina flor branca.

Pede a palavra levantando a mão.

Não se enganem mais, nem vós que estais no palanque nem vós que estais no terreno. A mortandade é um drama.
Hoje tu no palanque és homem, amanhã serás talvez vaca, ou minhoca ou caracol.
Tu que te esguias em corpo hoje de homem e afinal és cão poderás ser amanhã um guarda-rios ou uma árvore ou uma borboleta que só vive um dia. Só as pessoas de bem te conseguirão ver e admirar na mais fugaz passagem.
A Escolha é vossa.

Comam pena ou comam pêlo e que não vos fique o destino traçado, de costas.


Inez Andrade Paes