domingo, 19 de dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

MULHER PERDIDA NA CIDADE


vejo uma mulher curvada a correr de sombrinha na mão
seria sombrinha se o sol ali estivesse
agarrada a ela como a degolasse
miseravelmente arrastadas
as duas
uma na outra

seriamente
reparo na aflição do olhar dela com a sombrinha na mão
que ergue agora como bandeira
para passar o trânsito veloz com cavaleiros defesos
de olhar feroz

atravesso-me na via
com os cavaleiros atrás
de lufadas quentes nas narinas e relinchos perdidos
na nossa atenção
na da mulher com sombrinha na mão
e na minha chamada transgressão
aos olhos da civilização

como poderá hoje uma mulher do campo atravessar a estrada
de sombrinha na mão num dia de chuva?

miseráveis cavaleiros
de embustes caseiros sem chuleios nem alfinetes
que lhes agarrem as vestes

Inez Andrade Paes

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

QUERER, TER E SER



breve é a palavra no momento que me contém
na insidiosa ferida que se abre mais ao céu

aromas na lembrança
apaziguam a Fé
alterada
disforme mágoa
repetidamente insana

ai carne, da mesma carne
visível ao disfrute velado
em que teu olhar
avança e esconde

ódio em tuas palavras
ai carne, da mesma carne
levanto as mãos ao céu
pedindo vigilia
para que te cure
de anos atrás
de grades ............sonhando
vales
para teus servos de serapilheira
com bandejas de prata

olha para mim .....carne da mesma carne

teu sangue escorreu num fio ........de longo
teus planos misturaram-se com teu cavalo ...e teus ogres

peço ao céu tua cura
em oração que resvala de meu peito lavado
por esta mão materna


Inez Andrade Paes

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

VALENTES ESTAS AVES


O bico deste pássaro foi-se formando de uma valente cagadela de uma Rola-turca no vidro da janela, quando esta aterrava no telhado.
De noite a valente cagadela transformou-se em novo pássaro, de asas presas e em posição de sono profundo e meditação.
Seu corpo transformado nesta noite de um Outono não tão fresco, mas de horas peculiares como esta.



Elas, Rolas e cagadelas, aqui andam felizes nos ramos da velha Nogueira.


Inez Andrade Paes

terça-feira, 21 de setembro de 2010

UNIÃO



ando de braço dado com a solidão
ligeira e acordada
na penumbra do dia que quase se acaba

ando de braço dado com a solidão
ligeiras as duas
como sombras uma da outra
alegres llllldoutas
nos campos rasos de água
da chuva lançada
em torrentes e bátegas que acabam

percorro o seu perfil
exacto
claro
que por vezes se confunde com o meu
quando o olhar de manhã se abre
e me dá a mão para levantar
da profunda solidão em que as duas nos afundamos
na noite secreta

envolvo-me em ti
como aquela dobra fechada do tecido grosso
da cortina que abana

solidão
chamo-te aqui
perfeitamente lúcida
da imensidão de que me apoderas

só de braço dado
só com a solidão

permite-me olhar por aquela janela
e perguntar ao mundo porque chora em si
se todos nós estamos
de braço dado com ela

Inez Andrade Paes

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

HOJE




Este calor parado é prenúncio de tempestade. Só se os Deuses tiverem piedade de nós e agarrarem nas nuvens e as esfarraparem como algodão.
Arrefecerá sem força.
Arrefecerá com uma brisa fresca como água de riacho percorrendo em plena sombra de árvores frondosas.
Arrefecerá como nos dias de Inverno em que o frio já é frio e os Deuses nos castigam
com as nuvens esfarrapadas no céu.

Este calor parado abranda o ritmo sem cálculo.
O ritmo sem uso.
O ritmo desprezado e mal amado para a certeza das coisas que nos são dadas.

Este calor parado faz olhar para o abandono dos campos queimados
Este calor parado faz pedir as sombras das árvores abatidas
Este calor parado não faz mover os servos da economia.

Se puderem, nem que seja um arbusto daninho deitem-lhe um pingo de água.
Eu regarei as árvores por cima em mangueiradas de repuxo em arco, para que ajudem as mais pequenas que quase desistem da vida.

Inez Andrade Paes

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A FESTA

gala galas
de gala em gala
as gala galas
engalanadas de cores raras
para galas de golas abertas
quando iradas
ao sol paradas

atentas a ti ..........correm
passam-te o caminho
de sol tórrido
e as golas já baixas
mas ainda com cores raras

agora douradas
mas sem nenhuma gala
as galardoadas gala galas
ficam paradas
a mostrar sua medalha
na gola de gala
já apertada

aquele olhar de trunfo
quando esbeltas enaltecidas
em cima da rocha prateada

ó gala gala! .........de gola
abre-te agora ao vento
repara
como teu brilho
se mistura com a rocha

mas cuidado
não fiques tanto tempo parada
que o brilho cega
e não vês
a outra que passa


Inez Andrade Paes

terça-feira, 22 de junho de 2010

ESSA ROSA BRANCA QUE O TEMPORAL NÃO DOBRA



uma rosa branca ergueu-se em pleno desgaste

no temporal



ergueu-se dentro dos ramos nus

com pétalas ainda direitas

BBBBBde dobras quebradas



ergueu-se

limpa e quase desnuda

a mostrar a honra de ser rosa



o marfim que o sol tingiu nela

fortificou o ser BBBque habita

e equilibra



uma rosa branca marfim ergueu-se em pleno desgaste



Inez Andrade Paes

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Glória de Sant'Anna


E ASSIM DEPOIS DE TI

na aurora surge anil
abrindo para uma aura
de que a manhã se apodera

no horizonte
a deitar
ao anoitecer
contigo estou


Inez Andrade Paes

quarta-feira, 19 de maio de 2010

AMIGO DE OLHOS CLAROS



somos nós um barco
somos nós um navegante
esse rumo que lhe é dado
somos nós

barco que navega

se queres navegar no lago
será calmo
se queres navegar no mar
terás ondas
de tamanho

barco
navega tranquilo
em transparentes águas
para não bater com a quilha
no banco de areia esquecida

com movimentos d'água

Inez Andrade Paes

quarta-feira, 24 de março de 2010

POEMA

sabes quando choras e o silêncio está dentro sem lágrimas ? sabes quando morrem as árvores e não podes fazer nada e não tens posse de vida porque ela não te foi dada? a não ser que as sabias ali e as vias de mãos sempre dadas sou agora assim como mutilada de uma assombração inúmera desagregada à volta do pescoço com duas mãos apertadas sabes quando choras entre um pecado uma fúria de raiva que não era precisa porque o tempo que estava não o vias passava sem o teres de perto sou agora assim presa com os nós dos dedos ao chão onde tuas hastes e braços tombaram sabes ? leva-me agora não olho pro céu fico calada Inez Andrade Paes

quinta-feira, 11 de março de 2010

Garça-real

Ardea cinerea


aquela velha Garça-real tinha um dono



planando       planando em círculos
largos
cada vez mais largos
cada vez mais baixos

abaixo de seus planos
um lago com peixes




doze dias

aquela velha Garça-real
planava       planava
pousava no muro alto
e esperava



o vento soprava em suas penas
parecia uma velha figura despenteada

levantava
de novo em plano preciso
planava

descia

mais alto pousava
          no telhado da casa que tinha o lago




o homem da casa do lago
era dono
de peixes de prata que brilharam em seu bico


aquela velha Garça-real tinha um dono

o céu


Inez Andrade Paes





sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

DO FUNDO




furam-me o ventre sem fim aparente
com agulhas de cobre a deixar verdete

de meu sangue espesso
o coalho
se agarra
em tubo de aço que da luz surge
com olhos espreitando
até a escuridão não deixar

do fundo
meu sangue num esgar de vómito
lança madeixas longas e sedosas
à luz se abrem num loiro pesado
desmanchando-se em terra como pasta grossa

de dedos apertados a sentir espessura
olhos que espreitam lançam reticências
aguardam o astuto que se enche de ar
a elevar a pose até desmanchar
aguardam a análise
do perito a dizer

há petróleo      aqui neste mar

de ferida aberta
sem ligadura
porque de meu ventre coalhado
o espesso sangue não serviu interesse
me deixam enfim
com esta ferida aberta

o caracol escorrega no lodo que sobra
entre pastas loiras e areias moles
de mim até ele     o buraco profundo
que ele aproveita
          e me liga
          e me remenda


Inez Andrade Paes

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

FORMIGA

formica de ontem pensei nas madrugadas das musicas da noite quando o pão chegava com o cacimbo de hoje o pão é de véspera sem o croustillant quebrado no golpe do meio do papo de ontem as grandes formigas carregavam ligeiras as maiores migalhas de hoje aquelas pequeninas entram nas migalhas duas e três e movimentam-nas sem patas no chão de dois continentes figuras castanhas de tamanhos diferentes com sabor a formica na língua ferrada entre cristais de açúcar Inez Andrade Paes

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

MANCHETES - 13 de Janeiro de 2010



-MAIORES SISMOS
-REBENTAMENTOS DE CONDUTAS
-DERROCADAS

Alarmes vários e as grandes buscas de petróleo no Mar e em Terra continuam a furar tudo até ao âmago.
Quem vai colar o Planeta?

Inez Andrade Paes

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

PASSARINHO DA CHUVA

Parus major juvenil


tudo chora
as árvores
as paredes
as penas dos pássaros

o gato é uma estátua molhada na eira do vizinho
magro
na eira

com a vassoura da última varridela

o sol não quer vir ter connosco
as ancas fortes e robustas das nuvens
empurram a claridade
os cirros lá mais ao alto
são vidraças geladas

a chuva pára
o passarinho da chuva canta
mais chuva vem anunciada

tudo chora à volta

na eira
o gato
de barriga limpa para se manter quente
o cabo da vassoura entorta

o choro das Rolas-turcas anuncia a ida do Falcão-peregrino

à volta do limite tudo chora


Inez Andrade Paes