quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Lascia ch'io pianga

é essa cinza branca
que absorve o delinear da tua face   

Inez Andrade Paes

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Bichos e Homens

Imagem da Encicolpédia Medieval Liber Floridus de Lambert of Saint-Omer


Um cão, um gato e um macaco.
O cão vivia em Portugal, o gato na Pérsia e o macaco na Indonésia.

Encontraram-se os três como amigos numa manifestação contra o abate dos animais para lhes tirar a pele. Os três mascarados de homem.


Ele cão, um homem alto de tez morena e de fala grossa.

Ele gato, um homem ainda mais alto e esguio e de rosto quase pálido e enfraquecida vista, por isso de óculos, ovais, mostrando o brilho do metal quando o sol batia.


Ora o macaco, esse, um senhor gordo cheio de grandes avarias, saltos, arrebiques e de apito pendurado ao peito, se fosse preciso faria barulho ao mais pequeno deslize dos chamados democratas que tinham ganho as eleições naquele país da Europa. Estes tinham prometido mundos e fundos aos animais de pelo e até aos de pena, que estavam na lista dos próximos a ser contemplados com menor mortandade. Uma vez por mês falar-se-ia em abate.


Eram tantos os animais na praça.
Eram tantos animais na praça onde a manifestação começara, vestidos de homens para não serem vistos como de pelo ou de pena.

- Entra o político que iria dar voto ou veto à limpeza da pena ou do pêlo. -


O cão, o gato e o macaco estavam ali de pé ao pé da vaca. Senhora gorda e de chapéu de lado para tapar a peruca.


Todos os quatro atentos aos urros e berros do político sem nada a dizer a não ser:

- Estamos a fazer um grande esforço
- Estamos a preparar para levar ao parlamento
- Estamos a ver se
- Estamos

E estavam. Verdade que estavam todos, mas era muito gordos.

Entra na praça um tigre vestido de Monge Tibetano, exilado em Portugal por causa da anexação do Tibete pela China. A luz alaranjada das suas vestes virou os olhares para si.
Compreendia e via, os animais vestidos de homens que ali estavam e até lhes sorriu com largo abrir de boca em que os pequenos dentes eram pálidas pétalas de pequenina flor branca.

Pede a palavra levantando a mão.

Não se enganem mais, nem vós que estais no palanque nem vós que estais no terreno. A mortandade é um drama.
Hoje tu no palanque és homem, amanhã serás talvez vaca, ou minhoca ou caracol.
Tu que te esguias em corpo hoje de homem e afinal és cão poderás ser amanhã um guarda-rios ou uma árvore ou uma borboleta que só vive um dia. Só as pessoas de bem te conseguirão ver e admirar na mais fugaz passagem.
A Escolha é vossa.

Comam pena ou comam pêlo e que não vos fique o destino traçado, de costas.


Inez Andrade Paes