quinta-feira, 19 de maio de 2011



menina não chora
aquela árvore só está a apanhar ar nos pés

gotas fortes
quase a cair dos olhos
de nó na garganta apontava o dedo àquele tronco tombado que faria mais de trinta passos ao comprido
e mais de quatro na largura
deitou-se de costas sobre ele e de braços abertos ao céu falou com a árvore, de cabeça de lado
rosto a bater na casca para a ouvir melhor

tinha sido plantada pelo vento quando a semente voou
voou e só ali parou
todos os anos por ali passavam - um velho, um macaco e um elefante -

o velho recostava-se na parte mais macia da base do tronco a descansar da caminhada
o macaco subia ao galho mais alto para ver quem vinha e quem não vinha
o elefante comia muitas folhas e coçava o traseiro enquanto falava com a árvore e lhe dizia que seguia caminho para procurar água

a menina ouviu todas as histórias que a árvore tinha e adormeceu
quando acordou o velho o macaco e o elefante parados como estátuas não deixavam ver a luz do sol que por trás aquecia

a menina tremia
não tenhas medo diz o velho
não tenhas medo diz o macaco
não tenhas medo diz o elefante eu desvio-me do sol e ficas quentinha

menina não chora
esta árvore só está a dormir

ela já não dorme mais
contou-me os seus dias e pediu-me que a levasse esculpida em barco para o pé da outra árvore do lado de lá da Baía

hoje

os ventos sopram, ouvem-se as duas árvores a falar
quando as ondas batem abraçam-se no movimento de cada onda
o velho, o elefante, o macaco e a menina estão também do outro lado da baía
com as árvores e um coelho que vive numa das raízes

se lá formos eles contam-nos o resto das histórias


Inez Andrade Paes

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