terça-feira, 28 de dezembro de 2021

É PRECISO

 

É PRECISO

TER MÃOS ABERTAS AO SOL

 

a imagem não se coordena com o gesto

quando as raízes do pensamento andam perto

tocam no imaginário aberto

ainda a noite deixou traços daquele deserto absoluto

em que corro a amparar o corpo

depois do vento erguer     dunas

 

ao longe

lagos parados

quando a brisa se move lenta

a passar à superfície

 

a imagem não se coordena com o gesto

dois dedos se movem

mas

o vento os empurra e só no outro momento

os escuto        o torpor

 

dois dedos

como duas colunas erguidas

a um céu aberto cheio de pássaros a voar para o sul

creio ser um sonho

quando os personagens pairam ao meu lado

e os olho como conhecidos

e de braço dado até nos aturamos

porque a imagem não se coordena com o gesto

e tu

e ele

e eu

somos três num deserto

somos três a andar no caminho certo

 

olham-me os outros de soslaio

a pensar na loucura adormecida

em que os três pássaros alados

se identificam com a vida

 

corro a ti meu corpo desamparado

entre o gesto largo e a imagem única

a que me apego e quase largo

para te sentir a ti outro

mais perto desta vida

 

Inez Andrade Paes

in Paredes Abertas ao Céu (p.p.64,65)  2010 - edição de autor